sexta-feira, 20 de junho de 2008

No Onibus falante



Era, tanto quanto se podia dizer daquela situação, bastante embaraçosa. De pé, espremida entre dois casais, estava a Excessiva. Ela não sabia explicar se o embaraçoso era ter dois rapazes colados nela, ou se era mais embaraçoso ter de ouvir o ruído grudento dos beijos que eles davam nas suas garotas.

"Oh, céus! O que eu fiz para merecer isso?", pensou a Excessiva, presa por aqueles corpos quentes, embora o ónibus seguisse o caminho espalhafatoso. A Excessiva tentou se desvencilhar daqueles dois casais, mas estava prensada, completamente presa e segura. "Que embaraçoso."

A voz mecânica do ónibus avisou que a próxima parada seria a estacao Maria Clara e a Excessiva cruzou os dedos na esperanca de que pelo menos um dos casais descesse ali. E enquanto o ónibus não parava, os casais continuavam a se engolir. A Excessiva percebeu que uma senhora sorria para ela e tentou devolver aquele gesto singelo. So o que conseguiu foi levantar as sobrancelhas.

O ónibus parou, dizendo que as portas estavam abertas. Trinta segundos se passaram e ninguém desceu para a estacao. A Excessiva sentiu o corpo retesar-se todo. Na era possível. O ónibus avisou que as portas fechariam e prosseguiu o caminho.

A excessiva suspirou, quase sufocada. O ar ali naquele veiculo estava irrespirável. Cheirava a vários casais de adolescentes a transpirar hormonios. Cheirava a paixão queimada e amor diluído com tesão. Sim, porque era dia dos namorados e todos aqueles casais apareciam sabe-se la de onde para importunar pessoas como a Excessiva.

O ónibus avisou que a próxima parada seria a estacao Boa Vista. Mas, a Excessiva já estava se esperancas. Os casais permaneceriam grudados nela ate que ela descesse na sua própria estacao. Foi então que ela teve uma ideia. Deu uma cotovelada no rapaz da direita e esperou a reacao. Nada. Deu outra e recebeu apenas um murmúrio incomodado. Desistiu deste plano também. Decidiu então chatear o casal da esquerda. Pensou no que mais deixaria aqueles dois irritados e lançou um "aha" sufocado ao encontrar uma resposta óbvia. Foi simples assim: a Excessiva prendeu a bolsa nos ombros e deu uma meia-volta, de modo a ficar com a barriga encostada nas costas do rapaz da esquerda. Envolveu-o com os próprios braços e encostou a boca na nuca dele. Iniciou entao uma serie de ruídos que imitavam os beijos dos dois casais, entre murmúrios e gritinhos.

De repente levou o susto. A garota beijada pelo rapaz da esquerda empurrara os dois, o que fizera com que a Excessiva caísse por cima do casal da direita. "Céus", ela pensou a olhar para a garota furiosa a sua frente, "agora ela vai me matar".

Mas a garota não fez nada de mais, começou a gargalhar alto. E depois o rapaz que a acompanhava começou a gargalhar. E logo todos gargalhavam por causa daquela situação. Menos a Excessiva. Não! Esta se levantou muito irritada, limpou as calcas e ficou de pé, se equilibrando no onibus em movimento.

- Parem de rir! - ela gritou - Eu não aguento mais este clima de dia dos namorados!

Todos cessaram os risos imediatamente e um semblante serio invadiu a face da cada um. A Excessiva entendeu o que se passava na mente daquelas pessoas todas. Elas tinham pena dela. Todas aquelas pessoas tinham pena dela.

O ónibus avisou que as portas estavam abertas e a Excessiva nem se importou com qual estacao era aquela e saiu imediatamente daquele veiculo falante. Ouviu ainda o ónibus avisar que as portas iam fechar quando pisou a plataforma e depois ouviu as pessoas gritarem para que ela deixasse de ser mal-amada e solitária. Ouviu ainda alguém gritar, inclusive, que ela era lésbica frígida.

A Excessiva respirou com mais forca. O cobrador daquela estacao fitava a Excessiva com uma confusão no rosto, temendo que ela desabasse em choro pelo tratamento recebido no onibus. Mas ela nao chorou, ficou parada a olhar para o cobrador.

De súbito aquela raiva abandonara por completo a Excessiva e ela começava a entender que odiara sentir o calor daqueles tantos casais porque era de fato uma solitária mal-amada. Experimentou sorrir e o riso logo invadiu a estacao. Cumprimentou o cobrador:

- Feliz dia dos namorados!

in Tudo baralhado

L. J. Becker

Um comentário:

Viviane Glenn Becker disse...

Gente, adorei, sempre o tom sarcastico de bom humor hehe
Cada dia mais criatividade neh mano!!!
Me surpreendo, tadinha da excessiva!!
Bjo!