quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Parte 2 do capítulo 1 ES

A Escola da Solidão, como indicava uma placa de metal antes de um vasto gramado bem aparado e escadarias em ascendência, havia sido planejada por uma união de educadores mestres e arquitetos e engenheiros. O que significava que era uma perfeição sem limites. Tratava-se de um edifício central sem forma regular com conexões externas e internas com prédios menores. Vidro e natureza indicavam uma utopia ambiental que ainda não existia fora daquele território. A Escola da Solidão tinha conexão com a Biblioteca Nacional através de uma passagem aérea justo no local onde funcionava a imprensa d’O Solitário Semanal. Chamava a atenção aos passantes uma construção em formato de trapézio totalmente em cimento, onde funcionava o teatro escolar e municipal. Entre escadarias e passeios de pedrinhas acastanhadas, vários bancos de pedra e fontes ornamentais davam o ar da graça. Num quiosque próximo à entrada central funcionava uma cafeteria charmosa. Foi para lá que Lana e Evan se dirigiram.
_ Será que Judy vai estar no café? – Lana indagou.
_ Lana! – Evan riu – Ela sempre está no café.
_ “Como querem que eu durma a noite com tanta responsabilidade?” – imitaram os dois em uníssono.
_ A única maneira de se manter acordada é com cafeína! – continuou o Evan.
_ Hey! – um garoto de cabelos cacheados e loiros se aproximou dos dois – Estão indo para o café?
_ Sim. – Lana respondeu – Bom dia, Mariadoc!
Mariadoc não era reconhecido apenas por seus cabelos cacheados e perfeitos, muito menos por seu ar angelical. Nem tão pouco pela riqueza material do pai, dono de uma importante indústria de perfumes. Sua fama era de sua coragem em ser o que era e não esconder. Todos gostavam de Mariadoc, o homossexual rico e assumido, aspirante a (e Evan se lembrava de alguém ter sufocado o riso um dia) político.
_ Hoje há uma convocação no auditório da escola. – informou o Mariadoc – Parece que o reitor Foster tem um comunicado importante.
_ O que será? – quis saber a Lana.
_ Judy não nos falou nada. – disse Evan.
_ Acho que ela nem sabia. – caçoou o Mariadoc – Digo, às vezes ela nem parece filha do reitor! – Mariadoc riu alto.
_ Ou o pai é que não quer que ela seja tão especial por causa disso.
As palavras de Evan soaram um pouco duras e o clima entre os três ficou um tanto quanto pesado, como quando existe um choque de opiniões. Só voltaram a abrir a boca quando atingiram o café abarrotado de estudantes cafetólotras. Avistaram a Judy a tomar seu espresso calmamente e a ler uma revista de moda.
_ Moda? – Lana pareceu surpresa.
_ O que é que tem? – Judy pareceu distante – Eu também sou uma garota.
_ Alguém disse que não és? – quis saber o Evan a olhar as modelos por cima dos ombros de Judy – Uau! Esta aqui deve passar por uma fechadura de tão magra!
_ Eu pensei que eras uma máquina. – Insistiu a Lana.
_ Uma máquina que gosta de ser uma garota.
Os quatro riram, Mariadoc cumprimentou a Judy com três beijos na face. Evan até entendia a surpresa da Lana. Judy usava os mesmos óculos de aro vermelho vivo desde que a conhecia no oitavo ano. Além disso, usava sempre o mesmo estilo de roupa quando não estava de uniforme. E ela sempre estava de uniforme.
Mariadoc foi cumprimentar uns garotos com aperto de mão sério.
_ Eu ainda não engoli essa história de que ele é gay. – disse a Lana.
_ Para mim ele parece apenas sensível demais. – concordou a Judy – Mas, claro que ele fica estranhíssimo quando bebe. Na última festa estava mais feminino do que eu!
Os três riram de novo. Judy sacudiu os cabelos ondulados e castanhos ao virar o rosto e cobri-lo com a revista.
_ O que foi? – Lana espiou por cima dela para o outro lado do balcão.
_ Alastor... – concluiu Evan. Ele sabia que o vice-presidente da imprensa implicava com Judy sempre que tinha oportunidade.
_ Não quero que me veja. – pediu Judy se levantando – Vamos indo ao caixa...
_ Não entendo como a presidente e o vice-presidente dum mesmo jornal podem se odiar tanto. – confessou Lana enquanto Judy pagava o espresso duplo.
_ Ódio? – Alastor estava mesmo ao lado dos três.
Mariadoc se juntou ao grupo para pagar algo.
_ Ódio? – ele indagou.
Judy fitou o rosto moreno e sério de Alastor. O nariz aquilino dele levemente levantado e os olhos negros e cerrados fixos nos dela.
“Oh, céus, como ele é charmoso”, pensou a garota.
_ Ódio? – repetiu Lana a rir.
_ Na verdade foi bom encontrá-la aqui, Judy. – disse Alastor no seu habitual tom sério.
_ Mesmo? – Judy e Lana perguntaram ao mesmo tempo.
_ Sim. – respondeu ele a sacudir os ombros – Quero muito convidá-la a ser minha acompanhante no aniversário do Louis...
_ Eu... – Judy não sabia o que dizer. - Você disse que quer muito?
_ Achei que seria de bom tom se a presidente acompanhasse o vice-presidente. – explicou Alastor.
_ Ah! Claro... – concordou Judy desapontada – Está bem...
Naquele exato momento os alto-falantes da escola deram o sinal para que todos do colegial fossem ao auditório da escola. Como para salvar a todos do silêncio que se fez pelo convite de Alastor, uma massa de estudantes e professores entrou na fila para pagar a consumação.
Lana puxou Judy e Evan na direção da saída do café. Mariadoc vinha logo atrás. Lana riu.
_ Do que estás a rir? – perguntou a Judy irritada.
_ Oras! – Lana olhou para os dois rapazes ao redor – É claro que o Alastor não te convidou apenas por causa da boa impressão que isso pode causar.
_ Eu sei... – anuiu Judy – As pessoas não ligam se a presidente e o vice se dão bem ou não. Meu pai mesmo diz isso a todo instante para mim. As pessoas ligam se o jornal dá certo pela parceria.
_ Oh my! – Mariadoc suspirou alto a olhar para as costas conhecidas de um rapaz de cabelos escuros que se misturava num grupo no saguão de entrada – Desculpem garotas – e a olhar para o Evan – E garoto. Mas o Louis não tem uma bunda qualquer!
Lana e Judy riram alto. Evan ficou pensativo. Olhou para o Mariadoc embaraçado... Este deu uns tapinhas no ombro dele:
_ Eu sei, Evan. Não é a sua praia. Mas... – e apontou para os traseiros saltitantes das líderes de torcida mais para a esquerda – Aquelas são bundas bonitas também.
_ Vamos parar de falar de bundas? – pediu Lana a rir-se – Que coisa louca.
Entraram num auditório de assentos verde-musgo que estava praticamente lotado. Os assentos desciam até o nível de um palco de tamanho médio onde apresentações e discursos eram feitos. No palco já estava o reitor William e alguns professores enfileirados respeitosamente. O instrutor de Yoga estava mais ao canto esquerdo. Chamava-se Bruno e ouvia atentamente as palavras da instrutora de Educação Física, Diana Hoo. Muitos diziam que eles andavam juntos, outros preferiam acreditar que eles apenas tinham interesses em comum. E a isso somava-se o interesse por alunos do sexo masculino. Quem partilhava da segunda opinião também era a professora Maria Flor, de Geografia, que pigarreara naquele momento com o amplificador de voz ligado. O professor de língua estrangeira sorria abertamente e acenava, era o mais jovem e seus cachos castanhos seduziam grande parte das menininhas. Ao lado dele o professor Ariel assustava a professora grávida de artes com piadas de cálculos matemáticos astutos. Isolete, a professora de língua matriarca, lixava as unhas como quem não queria nada e acenava com a cabeça indicando que ouvia as palavras sossegadas do professor de História e sua famosa barba por fazer.
Um grande telão parecia estar pronto para ser usado e brilhava atrás dos professores.
Lana, Mariadoc, Judy e Evan sentaram-se na terceira fileira lá da frente, bem próximos ao reitor; que acenou para Judy em reconhecimento.
_ O reitor parece animado... – comentou o Evan.
Lana ia responder, mas o reitor limpou a garganta no microfone em frente a um tripé repleto de folhas.
_ Meus alunos! – ele iniciou – Convoco a vossa presença para anunciar algo de extrema importância... Que nossa escola tem uma excelente cadeira de Drama, isso não é novidade! Por cinco anos já tivemos o prêmio de melhor ator teen de Pico. Também tivemos o reconhecimento do trabalho da professora Aline Delvechio pela folha Nacional. É por isso que a nossa professora de Drama, a Srta. Aline Delvechio, pode tomar a palavra a partir daqui...
Evan se inclinou para frente com o intento de olhar os colegas ao lado. Um rapaz de pele clara e cabelo negro lhe acenou, era Louis Partridge. Uma cicatriz reta na bochecha esquerda lhe empregava um charme impressivo. Louis era alto e magro, tinha uma voz suave para um rapaz da idade dele, maçã de adão proeminente e fazia parte da equipe de pólo aquático da escola juntamente com Evan. Evan devolveu o aceno e encostou-se à cadeira novamente, desta vez com um ligeiro sorriso no rosto.
_ O que foi? – perguntou Lana – Algo de que eu possa rir também?
_ Não é nada não... – respondeu ele – É só... Deixa pra lá.
Lana arqueou a sobrancelha e se inclinou para frente, na tentativa de entender o que se passava. Ao lado dela estava Judy, seguida de Mariadoc, e Trinity Morgan. Depois Alan, ao lado de Kevin, depois Jorge, Flora, Louis... Não havia nada de mais. A não ser que... Ah, todos sabiam que Evan tinha um fraquinho por Trinity Morgan... Eles até já tinham se beijado escondidos. E por terem se beijado escondidos, todo mundo sabia!
Lana lançou um olhar ao Evan como a dizer que sabia o motivo daquela súbita alegria e encostou-se no assento para prestar atenção. O telão mostrava fotos de peças teatrais abertas ao público no último festival anual de série dramática.
_ Então, como todos os alunos do ensino médio já têm três ou mais anos de Drama... – dizia a professora Aline Delvechio na sua habitual voz imprecisa, as lantejoulas e pedras coloridas do vestido dela brilhavam ainda mais na plataforma – É com grande honra que nossa escola foi convidada para concorrer no “Décimo Quarto Anual de Série Dramática”!
O reitor Willian se mostrou satisfeito com a reação dos alunos. Eles aplaudiram, sorriram e ficaram satisfeitos. Mas não tão satisfeitos como a Srta. Delvechio, que quase dava saltos de alegria. E a satisfação teve o obséquio de ser redundante.

_ Prova de Inglês... – resmungou Trinity ao ouvido de Evan – Você nem me cumprimentou hoje...
Eles iam para a sala de inglês, num corredor abarrotado de gente vestida de verde. Muitas conversas chegavam aos ouvidos dos dois, todas atrapalhadas e em níveis pouco usuais e práticos.
_ Na verdade eu não a vi... – disse Evan se desculpando da colega – Eu...
_ Mentiroso... – ela retrucou maliciosamente – Eu o vi olhando para mim...
Ela soltou uma gargalhada estridente. Prosseguiu o caminho para a sala com passos mais rápidos e sacudindo bastante a saia curta. Trinity fazia parte do grupo de torcida da escola, por isso andava sempre com a saia verde pra lá e pra cá.
_ O que foi aquilo? – quis saber Judy se colocando ao lado de Evan – Ela quase te engoliu com aquele olhar...
_ Evan tem um azar muito grande para relações... – retrucou Lana – Veja com quem se meteu. Com a megera da Trinity Morgan!
Evan não disse coisa alguma. Eles entraram na sala de aula do Professor Leandro, o professor novato de inglês.
_ Bom dia, classe! – disse ele aos alunos – Por favor, acomodem-se. Evan, Lana, Judy; Por favor... Nós temos um teste escrito hoje. Fechem seus livros. Quero apenas caneta, lápis e borracha em cima das mesas.
O professor entregou as provas aos alunos, que começaram a rabiscá-la imediatamente. Evan terminou-a em menos de dez minutos e ficou sem o que fazer.
A atmosfera era de silêncio completo, exceto por alguns murmúrios audíveis e repreensões por parte do professor Leandro.
Evan sentiu um cutucão nas costas, esperou o professor passar pela sua fileira e olhou para trás. Era Louis, que lhe entregou uma borracha. Na borracha estava escrito “qual 2”. Evan escreveu no verso “2-b” e devolveu a borracha, em troca recebeu o mesmo sorriso cômico do amigo.
Quando a última pessoa entregou a prova ao professor, os alunos foram liberados mais cedo. Na precipitação pela única porta da sala de aula. Evan sentiu um puxão no ombro, era Louis. A sala ficou quase vazia, com exceção do professor. Ele parou ao passar pelos dois garotos:
_ I loocked your test, Evan... – disse ele – It’s great!
_ Thanks. – agradeceu Evan – I´m really surprise!
Quando o professor se afastou da sala, Louis decidiu falar.
_ Obrigado por ter me dado aquelas respostas. – agradeceu se referindo às diversas e criativas formas de resposta – Eu não tive chance de estudar...
_ Problemas? – quis saber Evan interessado e apontando a saída, os dois andaram juntos pelo corredor – Você não precisa me contar... – comentou Evan insatisfeito com o silêncio do amigo – Se você não quiser. – completou.
¬_ Vem comigo a um lugar? – Louis perguntou repentino.
Evan não teve tempo de respirar e já era arrastado quase a correr escadas abaixo. Estava habituado com esses lapsos de atitude do amigo, por isso não se espantou quando viraram para o lado do corredor que dava para a biblioteca e não para o lado que dava para o intervalo. Atravessaram o corredor suspenso de mãos dadas e Louis parou para observar os colegas jogando fresco-ball no gramado. Evan sentia a mão suando, mas não reclamou. Gostava da proximidade. Continuaram o caminho de mãos dadas e entraram no que era a famosa Biblioteca Municipal.
Cinco andares de estantes de livros ao redor de um salão principal com quatro lustres pesados a pender do alto teto. Lá embaixo a comunidade estudava nas mesas paralelas de abajures cromados. Mas, Louis arrastou Evan para fora da biblioteca por uma escada lateral.
Só soltaram as mãos ao entrar pelas cortinas de tecidos leves e coloridos ao vento da sala de Yoga. Bruno havia deixado incensos queimando e a atmosfera da barraca de Yoga, como alguns preferiam chamar, era de serenidade. Ouvia-se o barulho de água a ser jorrada no espelho d’água. Louis sentou em uma das almofadas cor de laranja e ficou a brincar com a água de uma bacia de bronze.
_ Onde achou que eu estava te levando? – quis saber o curioso.
_ Talvez ao sótão da biblioteca.
Evan se sentou ao lado do amigo na mesma almofada. Este deixou o corpo deitar-se, a cabeça no colo de Evan.
_ Você quer falar. – disse o Evan.
O outro apenas acenou afirmativamente.
_ O professor Bruno pode não gostar de nos ver aqui.
_ Não tenho medo.
_ Humm... – Evan apenas fez um murmúrio com a boca.
_ Escreveu algo legal desta vez?
_ Dismorfia corporal... – Evan deu de ombros – Bulling...
_ Temos um caso de Bulling na escola. – Louis pareceu tenso – Odeio quando vejo esse tratamento débil com os oprimidos.
_ Eu também não gosto.
Evan teve vontade de dizer ao amigo que era apaixonado pela bondade dele. Mas a insegurança deixou as palavras no pensamento.
_ Sabe, essa fumaça toda do Bruno sempre me deixa num estado de estase. – confessou o Louis.
_ Não sabia que você fazia Yoga.
_ Senti ciúmes na tua voz. – Louis ficou confuso – Eu não faço Yoga. Mas, o Bruno é ótimo pra conversar.
Evan não conteve o impulso e tocou os cabelos macios do amigo.
_ A nossa amizade é bonita.
Evan concordava com aquilo.
_ Mas, as pessoas não entenderiam... Pelo menos é o que diz o professor Bruno.
_ Você contou ao Bruno que passamos horas assim?
Louis deu de ombros e sorriu. Olhos castanhos fundiram tal qual ouro queimando, apaziguando o Evan.
_ Evan... – Louis parecia preguiçoso – Descobri algo. Papai descobriu algo.
_ O que exatamente?
_ É a minha mãe.
Evan, que não entendia o que poderia ser descoberto sobre Ilse Partridge, a magnata da sociedade das damas beneficentes de Pico, continuou a enrolar os cabelos do amigo.
_ O que tem a sua mãe, amigo? – Evan soara descontraído. Observava a face endurecida de Louis.
_ Antes de conhecer o papai, antes de ir para o convento... Ela era uma prostituta.
Louis ergueu um corpo envergonhado e ficou de costas para o amigo. Talvez temesse ver a cara de espanto no outro. Evan tocou as costas do Louis, pressionando no ponto certo.
_ E você acha isso importante? Pra mim soa meio bíblico... Madalena perdoada pela sociedade.
_ É belo, sem dúvida. – retrucou o Louis ironicamente – Não fosse que nossa sociedade é um bocado selvagem e não a perdoaria. E não fosse por outra descoberta.
_ E qual seria?
Desta vez Louis voltou a própria face em direção aos olhos acinzentados do amigo.
_ Eu não sou filho do senhor Partridge. Por isso ele me odeia tanto. Por isso ele jamais se interessou realmente em mim.
Para Evan aquela era uma explicação razoável para todo o sofrimento do amigo. Teve vontade de retrucar, de dizer que não era aquilo, que ele devia estar enganado. No entanto, era uma explicação bastante aceitável.
_ Lamento. – foi tudo o que Evan conseguiu pronunciar.
_ Sabe o que é carregar um nome que não significa nada? Sabe o que é descobrir que você não sabe nada das suas origens?
_ Não diga essas coisas. – Evan se assustou com a ferocidade das palavras do outro – Você é mais Partridge do que qualquer um que poderia ser realmente filho do Arthur Partridge! Ele educou você, e ofereceu amor suficiente para que você crescesse...
_ Mas assim que ele descobriu a verdade, deixou de me amar. – retrucou o Louis – Eu garanto que foi aí que ele começou a me odiar... De certo ele conhece o pescador de quem sou filho e reconhece agora semelhanças entre eu e meu pai biológico.
_ Lamento ouvir isso.
Era mais uma lamentação, mas pareceu suficiente ao Louis, porque abraçaram-se por longos minutos. Louis agarrou as costelas de Evan com mais força e juntou mais o corpo para perto do amigo. Então Evan sentiu lábios roçarem a região próxima da orelha esquerda e depois nada.
Louis simplesmente levantou e se afastou. Olhava reto para a direção das costas de Evan. Este virou o pescoço em busca de uma resposta para aquele comportamento esquisofrênico.
_ A aula vai começar em poucos momentos. – a voz suave do instrutor de yoga pareceu retumbar no seu templo almofadado e coberto por voiles – Senhor Schneider, senhor Partridge... Receio que a piscina seja o melhor local para este tipo de encontro.
Evan fitou o instrutor com um bocado de raiva. Como assim “este tipo de encontro”? Abriu a boca para argumentar que ele e Louis só estavam conversando, mas o professor prosseguiu, desta vez olhando apenas para Louis:
_ Depois quero falar com você.
Louis acenou a sorrir e saiu. Deixou Evan sozinho com o professor.
_ Você não tem o direito.
Evan fitou um rosto nada amigável que se aproximava do seu, sentando-se na almofada.
_ Como? – Evan realmente não entendera.
_ Louis está passando por uma fase bastante difícil, Evan... – o professor adotou um tom profissional um pouco mais amistoso do que o anterior, até tentou um meio sorriso, forçado demais na opinião de Evan – Peço apenas que você tente apazigua-lo, e não que transforme esta dificuldade em dúvida também.
_ Somos amigos.
_ Eu sei. – o professor deu um tapinha no ombro do aluno – Vocês são amigos, e se amam.
_ Eu...
_ Não diria a palavra amor? – o professor passou a soar irônico – O pessoal do pólo aquático não chama a amizade assim de amor?
_ Voce fala de maneira estranha. – Evan ficou confuso – É jovem o bastante para não ser chamado de senhor, desculpe... É estranho estar tendo esta conversa.
_ Para mim também. – o instrutor de yoga simplesmente se levantou e foi até a sua mesa de estudos.
Iniciou a análise de alguns rolos de pergaminho, coisa que Evan duvidava que existisse até aquele exato momento. Isso foi o bastante para o aluno entender que a conversa estava encerrada e ele percebeu que fora ele mesmo quem encerrara o assunto.


_ Uma pena! Deviam ter continuado o papo!
Lana incitava Judy. Ambas estavam em uma das muitas mesinhas de concreto redondas que enchiam uma cantina coberta e dividiam uma porção de batatas fritas cheia de condimento.
Evan se juntou a elas e apanhou uma conversa a meio.
_ Não acho que devia... – retrucou a Judy a brincar com uma das batatas.
Lana aproveitou que Evan estava ali para ganhar pontos naquela decisão.
_ Judy conversou com o Alastor sobre a festa. – explicou ao amigo – Mas, ele desviou a conversa. Eu acho que Judy deveria ter retomado o assunto...
_ Pois eu não acho. – retrucou a filha do reitor cheirando a batata e exprimindo desagrado.
_ Diga a verdade, Judy... – e Lana se aproximou da amiga – Você definitivamente sente algo por ele. Você definitivamente gosta dele. Admita.
_ Só tenho uma coisa a admitir. – respondeu a Judy desistindo de vez de comer aquela batata – Odeio batata frita.
Lana sorriu de orelha a orelha.
_ Eu sabia! – exclamou exultante – Mudar de assunto significa talvez e talvez sempre é sim.
_ Oh, cale-se! – pediu a Judy – Não seja boba, Lana. Onde ouviu este disparate de lógica?
Lana deu de ombros.
_ Você vai se inscrever, Evan? – Trinity surgiu se sentando ao lado dele e lançando um olhar inquisitivo.
_ Me inscrever para que? – quis saber ele.
_ Não digam que vocês não sabem? – ela ridicularizou – Vocês, do jornal, não sabem!
Os poucos alunos à volta olharam a cena com rostos curiosos. Lana estava prestes a cuspir a batata que estava comendo. Odiava Trinity Morgan e não escondia o ódio. Aliás, a líder de torcida era odiada por muitas garotas e não se deixava abalar por tão pouco.
_ Desembucha, Trinity. – disse Lana.
Judy ficou apreensiva.
_ É a festa de Inverno, daqui a dois meses! – gritou ela se levantando e dançando – Vai se chamar “Neve no Inverno Frio dos Abóboras”! E... Vai haver a eleição do garoto e garota Escola da Solidão!
_ Meu Deus. – gemeu Lana incrédula – Tudo isso pra isto? Uma festa?
_ Gostei do nome! – exclamou Judy imaginando as letras no jornal da escola – Quem está organizando?
_ O grêmio. – respondeu Trinity – Mas era pra ser segredo... – Ela olhou para Evan de uma forma maliciosa – Algumas pessoas têm muitos segredos...
Ela saiu de perto dos três e foi se sentar na terceira mesa a contar da deles, estava na companhia das outras garotas da torcida.
_ O que ela quis dizer com isto? – indagou Judy, finalmente engolindo a batata que estava na sua boca – Segredos?
_ Eu não sei... – respondeu a Lana de mau humor – Mas ela acabou com o segredo da festa gritando desta maneira em plena cantina.
Os três riram.
_ É melhor você ficar atento, Evan. – sugeriu a Lana. – Não gostei do tom dela.
Evan fixou o olhar na mesa ao lado. Sentada na mesa, uma única pessoa, uma garota, debruçada, e chorando.
Judy seguiu o olhar de Evan.
_ Camila... – explicou Judy – A diretoria da imprensa decidiu que ela precisa de uma matéria nova o mais rápido possível. Depois da matéria que ela escreveu sobre Tomates Verdes Fritos na escola ela ficou em maus lençóis. Precisa de uma matéria nova e interessante para continuar com a coluna. Se não... Ela vai ser afastada.
_ Sim... – concordou a Lana – Ouvi dizer que ela ficou até agora chorando no espelho d’água.. Coitada, está no jornal desde o ano passado... E participou da revista do ensino fundamental.
_ Espelho d’água? – indagou Evan em pânico – O espelho d’água que se estende até a barraca de Yoga?
_ Sim... – Lana respondeu a dar de ombros – É um local vazio. Eu mesma já andei por lá...
Judy sufocou uma risadinha.
_ Com alguém, suponho.
_ Sim, com alguém, Judy! – respondeu a Lana e, vendo que Evan se levantara – Onde foi o Evan?
Evan se afastou das amigas sem dizer mais nada, precisava encontrar Louis e contar-lhe que era muito provável que Camila tivesse ouvido a conversa. Mas ele parou, Camila não estaria chorando se tivesse nas mãos uma matéria tão destrutiva e interessante como aquele escândalo. Ela estaria salva, estaria radiante... Evan sorriu, estava paranóico naquela manhã.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

“Apertou as mãos no tampo de mármore negro da pia...”

AQUI COMEÇA A A JORNADA DO LIVRO DE L.J.BECKER
1. “Apertou as mãos no tampo de mármore negro da pia...”
Começo do Outono de 2020

_ O hospital nada mais é do que uma extensão da universidade. Mesmo os médicos mais conceituados às vezes se comportam como adolescentes. Há uma explicação para isso: pularam a fase e dedicaram-se tanto aos estudos para chegarem onde estão que simplesmente não tiveram contato com a confusão adolescente. Simplesmente transformaram-se em adultos ao optarem pelo ramo.
O chefe, como era conhecido por todos no Hospital de Clínicas de Pico, aproveitava o momento de descontração com os sete residentes calouros. Apontou para trás de si e abaixo, onde o pé direito se tornava alto o suficiente para abrigar sete andares de corrimões de vidro e escadarias, no que parecia ser um imenso hall social transformado em um baile para os doutores.
Rostos rosados e eufóricos abriram bem os olhos e abandonaram os cadernos de anotação para observar o que se passava lá embaixo. Alguns comentários ressaltaram os garçons a servirem espumante e outros ainda fizeram notar os longos vestidos coloridos das belas mulheres.
O próprio chefe estava com um smoking brilhando em negro sobre os olhos dos calouros. Ele sorria, um homem moreno e corpulento, velho o bastante para entornar sabedoria superior sem contestação alguma.
_ Eles estão trabalhando.
Alguns dos calouros riram espontâneos.
_ O senhor poderia nos dizer o que se passa lá embaixo? – quis saber uma garota ruiva educadamente.
_ Uma noite de comemoração.
_ O senhor não acha impróprio o local escolhido para esta comemoração? – a garota parecia obsoleta.
_ A senhorita... – e o Chefe teve de ler o crachá dela para saber o nome – Hampstead não acha que está no curso errado? Acaso não gostaria de juntar-se aos jornalistas de plantão?
Os colegas da senhorita ruiva de sobrenome Hampstead riram abertamente. Ela mesma sorriu encabulada.
_ No entanto, jamais diria isso, senhorita Hampstead! – e o Chefe Gustaf voltou a apontar para a festa – Não vejo melhor local para a comemoração do que o afetado pelo motivo dela!
_ E o que exatamente estamos comemorando? – desta vez um oriental levantou a voz tímida.
_ A pergunta certa! – o chefe exultou – Hoje comemoramos a implantação de uma nova tecnologia que nos porá a frente de qualquer outro hospital a nível de cirurgias cardiovasculares. O que nos leva, claro, ao homem que vos guiará dentro de instantes e a quem devemos os esforços na pesquisa e implantação de tal tecnologia...
_ Doutor Christian Schneider? – os olhos da garota ruiva brilharam.
_ Exatamente, senhorita Hampstead! – confirmou o chefe – E embora ele não esteja trabalhando neste momento, concordou em guiá-los até a área de pesquisas cardiovasculares... Queiram me seguir, por favor.
Dizendo isso, o chefe conduziu seu rebanho de calouros pelas escadas lilases até o térreo onde acontecia o baile comemorativo. Pediu a todos que aguardassem ao pé da escada e despediu-se, dizendo que dali em diante estaria ocupado demais com champagne e música erudita, mas que o procurassem caso acontecesse qualquer coisa.

O Doutor Christian agarrou o braço da esposa com força demasiada. Ela estava de costas para ele e não o viu se aproximar. Servia ponche quando foi intercalada. Olharam-se nos olhos.
_ O que é? – ela soara dura.
_ Preciso mesmo dizer?
_ Você me machuca assim...
Ele soltou o braço dela. Olhou para os lados um pouco desnorteado.
_ E você acha que você não me machuca fazendo isso? – ele perguntou.
Elizabete alisou o próprio vestido de seda rosada, mas não respondeu. Desviou o olhar, salva pela súbita presença do chefe.
_ Com licença... – o chefe interpôs-se entre eles – Boa noite, Elizabete... Dr. Schneider, os calouros o aguardam. Sei que hoje você está de folga, mas preciso que mostre os alojamentos e fale um pouco sobre a tecnologia que trouxe para nós.
_ Ficarei lisonjeado. – Christian acenou com a cabeça para o chefe e lançou um último olhar para a esposa – Retorno em meia hora, Elizabete.
_ Estarei no carro. – ela respondeu ainda sem dirigir-lhe o olhar.
O chefe avaliou a maneira como Christian deixara a esposa com um certo ar de dúvida. Mas, como ela estava ligeiramente alcoolizada, decidiu atender o chamado de um grupo de doutores ali perto e pediu licença para ela.
Elizabete, por sua vez, percebeu dois olhos verdes e cerrados a examiná-la. O Doutor Jake também estava de smoking, mas vestia um jaleco branco. Ergueu um dedo para que ela o seguisse e subiu dois lances de escadas.
Por momentos Elizabete pensou que havia perdido o médico na perseguição nos corredores do segundo andar. Foi quando foi puxada para o interior de uma sala mesmo ao seu lado direito. As mãos de dedos alongados pressionaram as costas dela e eles se beijaram, batendo a porta atrás de si.
_ Não devíamos... – Elizabete interrompeu o beijo, afastando ligeiramente o rosto.
_ Por que não?
A pergunta do Doutor Jake fora feita com os lábios encostados no canto da boca dela, de modo que a voz saía um tanto quanto esquisita. Os compassos da respiração dele acalmaram Elizabete, deixando-a entregue ao prazer.
_ Estamos numa sala de esperas... – ela comentou num murmúrio.
_ Sim... – o médico empurrou-a delicadamente até um dos sofás de cor fluorescente e continuaram o beijo interrompido.
Jake gostava da maneira sincera com que ela se entregava. Gostava ainda mais da contradição que ela sempre parecia exalar. Primeiro ela resistia fielmente. E depois estava ali com ele, completamente entregue às suas mãos esfomeadas.
Elizabete procurou os botões da camisa do doutor e arrancou-lhe de uma vez tanto a camisa como o paletó e o jaleco. Sentiu que o médico tirava-lhe a calcinha por baixo do vestido e gemeu prontamente satisfeita. Começou a abrir o fecho da calça dele e imediatamente sentiu a virilidade.
_ Desejo-a desde sempre... – ele dizia – Seja minha pra sempre...
Então a porta se abriu. A penumbra em que estavam antes foi invadida pela forte luz do corredor. Uma médica de cabelos loiros e ondulados abriu bem os olhos, confusa tanto quanto o casal pego no flagra.
_ Doutor Jake... – ela disse sem repreendê-lo.
_ Doutora Jéssica... – ele pareceu envergonhado, fechou o fecho da calça e procurou a camisa.
_ Preciso do seu auxílio... – ela disse olhando Elizabete nos olhos como se apenas naquele instante a tivesse reconhecido – Uma emergência na UTI.
Jake não se despediu de Elizabete, apenas lançou-lhe um olhar de cumplicidade e saiu correndo. A doutora Jéssica estendeu a mão para que Elizabete levantasse. Esta aceitou-a.
_ Você... – Elizabete não conseguiu articular o próprio pensamento; em parte pela bebida e outra pelo medo.
_ Não vou contar nada a ninguém. – a doutora Jéssica ajudou-a a correr o fecho nas costas do vestido – Preciso ir. Há um banheiro no final deste corredor. Acredito que o Doutor Christian já vá a sua procura.
E deixou-a tomada pela vergonha.

Não disseram palavra no carro.
E, no entanto, era como se o silêncio nada mais fosse do que uma tagarelice sem fundamento de todos os problemas pelos quais o casal passava. A música instrumental moderna servia de sonoplastia para aquela cena, enquanto os arranha-céus da metrópole davam lugar aos prédios menos altos de moradia. Uns clássicos, outros modernos, uns luxuosos, outros a esconder passados longínquos... Elizabete gostava de observar os prédios a passarem rápido quando o carro estava em movimento. Em circunstâncias normais, ela teria observado cada detalhe arquitetônico e cada janela com a luz acesa. Em circunstâncias normais teria tentado imaginar que tipo de pessoa estava acordada àquela hora e o que fazia... Mas, aquela não era uma circunstância normal e ela só tinha olhos para o marido.
Christian, por sua vez, parecia concentrado no trânsito escasso àquela altura da noite, depositando concentração demais naquela atividade. Elizabete quebrou o silêncio com essa afirmação.
_ Eu estou bêbado. – ele respondeu secamente – Toda a prudência é pouca. Aliás, devíamos ter apanhado um táxi.
_ Devíamos... Devíamos...
Elizabete concordou, embalada por um sono repentino. Não teve tempo de adormecer e já estavam descendo a rampa do estacionamento subterrâneo do prédio em que viviam.
O casal ficou parado por uns segundos dentro do carro recém estacionado. O silêncio pesado entre os dois persistiu por durante todas as outras quatro músicas restantes do CD.
Elizabete foi a primeira a sair, exausta daquela situação fatigante. Andou em direção ao elevador, segurando os sapatos de salto agulha numa das mãos. Christian veio logo atrás, batendo a porta do carro com força e acionando o alarme com um bip.
Entraram no elevador sem lançar um olhar sequer. Elizabete pôde ver pelo espelho atrás deles que o marido estava realmente irritado, a coloração da pele meio avermelhada de raiva. Ele suspirou ao perceber ser observado e virou o rosto. Foi quando o elevador atingiu o oitavo andar que Elizabete ousou dizer o que pensava daquela situação.
_ Não sei porquê diabos me levou a esse baile do hospital! Se soubesse que ia criar esse caso todo por causa de uma dança!
_ Uma dança? – Christian riu alto, sentindo tontura por causa dos drinques da noite – Um tango com o meu ex melhor amigo e... – tentou lembrar-se do sucedido – Aquelas insinuações de ambas as partes! Quando eu fui convidá-la para dançar comigo você estava bêbada demais para acertar os passos.
Os dois saíram do elevador e andaram pelo pequeno corredor até a porta de acesso à sala do próprio apartamento. Christian demorou um pouco para acertar a chave na fechadura. Mas, ao entrarem de fato no seu refúgio é que se sentiram à vontade para gritar.
_ Eu não entendo porque diabos me levou a este baile!
_ Você acabou de dizer isso, Elizabete!
_ Pois eu não recebi uma resposta, doutor Christian!
_ Porque você é minha esposa, oras! Queria que eu levasse quem?
Elizabete sorriu em escarninho.
_ Vamos, diga o que se passa nessa sua cabeça ruiva diabólica! – berrou o médico.
_ “Cabeça ruiva diabólica?” – repetiu a esposa – Pois essa cabeça ruiva e diabólica se cansou do fato de ser ignorada pelo médico famoso. Quando um homem interessante me convidou para dançar e disse que sentia atração por mim, eu aceitei! Essa cabeça ruiva diabólica também gosta de se sentir desejada! Não apenas quando o médico famoso deseja mostrar a todas aquelas residentes bonitas que tem uma esposa tão bonita quanto!
Christian não pode evitar um tapa no rosto de Elizabete. Esta levou uma das mãos no local atingido como numa atitude reflexa. Com raiva, gritou e massacrou-o com tapas e arranhões.
_ Você não tinha o direito de me bater!
_ E você não tinha o direito de me fazer imagem de traído com o meu inimigo número um por minha própria esposa! – gritou Christian a segurar as mãos da esposa. – Sua desgraçada!
Ele a largou e foi se equilibrar numa das poltronas da sala onde estavam. Por momentos deixou de ver o rosto manchado de lágrimas de Elizabete por causa da escuridão.
_ Você tem todo o direito de ter casado comigo sem gostar de mim, mas devia fingir!
_ Evan vai escutar isso.
Os dois se calaram. Ouviram o barulho de descarga vindo da direção dos quartos do apartamento.
_ O que você quer de mim? – Christian perguntou num tom mais baixo – Quer a minha ruína? Pois é o que terá com essa atitude. Desde que nos casamos ficou muito claro pra mim que eu te amo e você não me ama mais do que aos seus sapatos! – ele ofegou. - Podia me trair com qualquer um, menos com o doutor Jake.
_ Eu não traí você.
_ Pare de mentir! – ele gritou correndo na direção dela e agarrando-a pelos braços, fez com que o corpo magro dela sacudisse agressivamente – Eu sei!
_ Quem contou?
_ Não importa. – ele a soltou novamente – O que importa é que agora eu sei.
Christian procurou algo no bolso do paletó e retirou a calcinha que Elizabete usara naquela noite. Atirou-a contra a esposa numa atitude enojada. Elizabete apanhou a calcinha e ficou a fitar aquelas rendas carmim.
_ Deveriam tomar mais cuidado. - recriminou-a o médico - Nem ao menos se preocupam em eliminar as provas dessa canalhice!
_ Como você encontrou isso? - perguntou Elizabete.
_ A Dra. Jéssica não ia dizer nada. - ele explicou friamente - Mas eu reconheci a calcinha na mão dela... Acho que ela ia jogar fora, mas não teve tempo.
_ E o que vai fazer a esse respeito? – Elizabete parecia assustada.
_ Nada. – ele respondeu – A minha vingança é essa. Você é minha, Elizabete. Nunca será inteiramente de Jake. A não ser que queira ser afastada do Evan.
Christian disse isso com tanta frieza que fez arrepiar a coluna de Elizabete. Ele saiu da sala meio a cambalear, quase derrubando um pedestal com um torso em mármore na passagem para o corredor dos quartos. Desapareceu de vista batendo a porta da suíte atrás de si.
Elizabete olhou para o lustre com florais modernos pendendo sob sua cabeça com uma pontada de remorso. Mas sorriu. Ao menos agora ele sabia. Levou um susto com o rosto pálido do filho a observá-la ao lado do pedestal.
_ Evan... – ela disse, meio receosa da reação dele.
O garoto de nome Evan não respondeu, apenas virou as costas nuas e voltou para o quarto. Havia que dormir bastante no curto período de horas que ainda tinha antes de acordar. No entanto, não conseguiu dormir. Preferiu ficar deitado na cama, com o braço embaixo da própria nuca, a olhar para o teto. Ouvira com clareza que sua mãe traíra seu pai com o admirável doutor Jake. Mas não entendia o motivo. Se seus pais não se amavam para que estavam juntos?
Assim que Evan fechou os olhos cinzentos azulados teve de abri-los. O barulho do despertador ecoou no quarto adormecido. Lá fora o dia não tinha clareado ainda, fazendo com que Evan permanecesse deitado por mais uns minutos até adquirir coragem para levantar.
Ali, deitado, imaginou a cara de Trinity Morgan quando ela descobrisse que ele estava engatando um relacionamento complicado com Lindsay. As duas eram da mesma equipe de líderes de torcida, mas se detestavam. Uma morena e a outra loira – dois opostos identicamente fúteis e consumistas.
Evan pisou no tapete colorido com os pés descalços. Vestia apenas uma cueca boxe as listras, mas não ligava muito para o frio, de tão acostumado com a água fria da piscina nos treinos de pólo aquático. Abriu a porta do guarda-roupa em que estava colado um folheto escrito “FAKE” e apanhou o uniforme da escola. Era um uniforme bonito de abrigo na cor verde-musgo com tiras douradas nas mangas. O brasão fora bordado com um grande “S” bem no peito a indicar que aquele era um solitário, ou seja, um aluno da Escola da Solidão.
Deixou o uniforme na cama e foi até o banheiro tomar uma ducha rápida. Voltou completamente seco com a toalha enrolada na cintura e escolheu outra das suas cuecas moderninhas. Arrumou-a diante do espelho, esticando os elásticos. Vestiu o uniforme rapidamente e depois o “allstar” vermelho e voltou para o espelho para pentear o cabelo loiro com mechas mais claras. Arrumou a franja repicada por cima das sobrancelhas e sorriu com orgulho para si mesmo.
Saiu do quarto assim, completamente pronto, as cinco e meia da manhã. Cantarolou baixinho na tentativa de melhorar o humor, pensando nas possibilidades de um ótimo café da manhã. Foi quando teve de parar na sala de estar por causa do que viu.
Elizabete estava estirada no chão acarpetado da sala de mídia. A televisão ligada sem volume indicava que ela adormecera durante a madrugada. Evan se aproximou e viu que a mãe segurava uma garrafa de vinho vazia e que o líquido havia escorrido pelo seu vestido belíssimo de seda e que manchara também o carpete rosado. O vestido estava erguido demais e uma perna estava completamente à mostra.
Evan arrumou o vestido, puxando-o para cobrir a perna e percebeu que o rosto dela estava completamente manchado de maquiagem. Subitamente ela abriu os olhos verdes, um tanto quanto assustada.
_ Meu menino... – ela sorriu para ele e voltou a fechar os olhos.
_ Mãe? – Evan pensou que estivesse acordada – Por que não foi dormir num dos quartos de hóspedes? Mãe?
Evan sabia que ela não ia responder e que tão pouco ligava para os quartos naquele momento. Desistiu imediatamente da idéia de tentar levá-la para uma cama e foi até a cozinha. Um embrulho no estômago fez com que perdesse a fome e odiou ter encontrado a mãe que tanto amava naquele estado. Forçou-se a comer uma maçã e ainda bebeu leite morno com canela, o que ele mais gostava.
Ao voltar para o quarto fez questão de não olhar para as salas. Sentou diante do computador ligado com a tela do documento de texto quase em branco.
Acordara tão cedo por causa daquela matéria para o jornal da escola que ele teimara em deixar para fazer no último momento. Pois bem, suspirou nervosamente, ali estava ele exatamente como a cinco dias atrás, sem nenhuma idéia de como prosseguir o texto. E, pois bem, o prazo de entrega das matérias se esgotava naquela manhã para que desse tempo de imprimir o jornal O Solitário Semanal.
É certo que a chefe de imprensa era sua melhor amiga, no entanto, mesmo Judy Foster havia que ser dura com ele. Era a função dela. Evan corou ao imaginar que o jornal pudesse ser publicado sem a sua coluna especial de crítica sociológica.
“Ser adolescente é...”
Evan havia escrito apenas aquilo e o cursor piscava como a indagar o significado de ser adolescente. Ele não sabia a resposta, pelo menos não naquele momento. Começou a entrar em pânico ao perceber que o relógio marcava seis horas da manhã. Foi então que o telefone soou:
_ Alô.
_ Evan! – a voz do outro lado da linha deu ânimo ao rapaz.
_ Não sabe como gosto de ouvir a tua voz agora! – exclamou o Evan subitamente desperto.
_ Sabia que você já estaria acordado... – disse a garota – Está escrevendo, não é?
_ Sim, mas e você? Você disse que não ia correr porque eu não ia... Por que está acordada tão cedo?
_ Acho que você vai querer vir correr comigo se eu te disser que encontrei um texto incrível que você me mandou por e-mail no ano passado.
_ É um texto bom? Sobre o que fala? – Evan criou novo ânimo.
_ Popularidade no colegial! – Lana estava exultante – Você nem devia se lembrar, mas é um texto realmente bom. Já gravei no pendrive.
Evan deu um grito de alegria. Aquilo significava que ele não precisaria terminar aquele texto naquele exato momento.
_ Hey, calma! – pediu a Lana a rir-se – Vai acordar os seus pais...
_ Nem me fale... – Evan voltou a lembrar da briga deles – Mas, nada estraga meu humor. Você salvou meu dia!
_ Como assim “salvei o seu dia”? Que eu saiba o texto ainda está comigo e se eu não entregá-lo a você, estará encrencado! – ela pareceu brincalhona – Você tem que vir pegar o pendrive! Estou na esquina te esperando...
_ Corrida matinal! – exclamou o garoto – Já apareço na esquina.
Ambos desligaram os telefones. Evan trocou de roupa rapidamente e correu para a esquina, onde sempre se encontrava com a melhor amiga. As pessoas costumavam chamá-los de loucos por correrem àquela hora da manhã. Mas, eles gostavam. Era o momento do dia em que mais tinham energia. E foi naquele momento do dia em que se conheceram também. Um pouco antes de começar o ano letivo e bem no dia em que Lana se mudou para Pico. Evan lembrava bem daquela manhã: desde a esquina até o parque os dois caminharam lado a lado sem dizer palavra. Foi então que chegaram ao parque e começaram os alongamentos. Subitamente ambos começaram a rir e enfim se apresentaram. Foi então que Evan ficou a descobrir muita coisa sobre a garota recém chegada do Sul.
E ali, na manhã em que o Evan havia que entregar uma matéria que nem sequer se lembrava da existência, Lana estava tão bonita quanto no primeiro dia em que se viram. Morena de cabelos cor de mel, com um corpo de bailarina – muito evoluído para a sua idade – e com os olhos mais esverdeados que se imaginar pode. A madrasta dela, Helena Johnson, costumava dizer que Lana parecia uma havaiana que nascera num local errado e esta seja talvez a melhor descrição que temos para nossa garotinha. Ela tinha olhos puxados ! A beleza dela irradiava alegria em todos à volta e Evan não conhecia uma pessoa sequer que não se sentisse à vontade com sua companhia.
_ Bom dia, Evan. – o sorriso com dentes perfeitos a três centímetros do rosto de Evan – Como foi o seu sono?
Ela costumava fazer a mesma pergunta todas as manhãs, mas isso não aborrecia o Evan.
_ Bom dia... – ele sorriu a espiar para as mãos da garota.
Esta aproveitou a deixa para erguer um pendrive diante dos olhos dele. Evan apanhou o objeto desejado e beijou a face da garota. Começaram a andar.
_ Então, você vai a festa do Louis? – quis saber a Lana.
_ Louis me convidou semana passada, mas não comprei presente algum. – ele retrucou parando no sinal verde, para os carros passarem – Mas já sei o que eu compro para ele...
_ Comprei uma bola de basquete. – disse Lana pensativa – Ele reclamou que a dele estava furada.
_ Torçamos para que os pais dele não dêem uma bola também.
_ A mãe dele, você quer dizer. O pai não dá atenção ao filho. – retrucou Lana, e completou – Uma relação bem incomum. – pareceu refletir – Mas, presentes acho que o pai dá. Você disse que já sabe o que comprar?
_ Chocolates. – Evan deu de ombros – As trufas de caipirinha são as preferidas dele.
_ Não sabia que eram tão amigos. – Lana pareceu indiferente – Eu não sei qual é o seu sabor de trufa favorito.
Os dois amigos pararam em frente ao parque e fitaram o enorme edifício branco como a neve que ficava do outro lado da rua: o edifício com colunas jônicas no pórtico de entrada e uma lanterna de jardim de um metro por um com quatro correntes de metal a segurá-la . Lá em cima, os leões de bronze lembravam a população que ali viviam diplomatas e homens da lei.
_ Conversamos um bocado de tudo. – explicou Evan – Louis é tímido, você sabe... E tem uma natureza bastante melancólica.
_ Capito! – Lana interrompeu-o, alegre – Percebeu em você um ótimo ouvinte! Você é maravilhoso, Evan...
_ Talvez. – Evan entregou à amiga uma satisfação escondida.
_ Vamos começar? – perguntou Lana correndo até a pista de Cooper e pisoteando o gramado molhado.
Evan respirou fundo e acompanhou a amiga nos alongamentos.