segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

“Apertou as mãos no tampo de mármore negro da pia...”

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1. “Apertou as mãos no tampo de mármore negro da pia...”
Começo do Outono de 2020

_ O hospital nada mais é do que uma extensão da universidade. Mesmo os médicos mais conceituados às vezes se comportam como adolescentes. Há uma explicação para isso: pularam a fase e dedicaram-se tanto aos estudos para chegarem onde estão que simplesmente não tiveram contato com a confusão adolescente. Simplesmente transformaram-se em adultos ao optarem pelo ramo.
O chefe, como era conhecido por todos no Hospital de Clínicas de Pico, aproveitava o momento de descontração com os sete residentes calouros. Apontou para trás de si e abaixo, onde o pé direito se tornava alto o suficiente para abrigar sete andares de corrimões de vidro e escadarias, no que parecia ser um imenso hall social transformado em um baile para os doutores.
Rostos rosados e eufóricos abriram bem os olhos e abandonaram os cadernos de anotação para observar o que se passava lá embaixo. Alguns comentários ressaltaram os garçons a servirem espumante e outros ainda fizeram notar os longos vestidos coloridos das belas mulheres.
O próprio chefe estava com um smoking brilhando em negro sobre os olhos dos calouros. Ele sorria, um homem moreno e corpulento, velho o bastante para entornar sabedoria superior sem contestação alguma.
_ Eles estão trabalhando.
Alguns dos calouros riram espontâneos.
_ O senhor poderia nos dizer o que se passa lá embaixo? – quis saber uma garota ruiva educadamente.
_ Uma noite de comemoração.
_ O senhor não acha impróprio o local escolhido para esta comemoração? – a garota parecia obsoleta.
_ A senhorita... – e o Chefe teve de ler o crachá dela para saber o nome – Hampstead não acha que está no curso errado? Acaso não gostaria de juntar-se aos jornalistas de plantão?
Os colegas da senhorita ruiva de sobrenome Hampstead riram abertamente. Ela mesma sorriu encabulada.
_ No entanto, jamais diria isso, senhorita Hampstead! – e o Chefe Gustaf voltou a apontar para a festa – Não vejo melhor local para a comemoração do que o afetado pelo motivo dela!
_ E o que exatamente estamos comemorando? – desta vez um oriental levantou a voz tímida.
_ A pergunta certa! – o chefe exultou – Hoje comemoramos a implantação de uma nova tecnologia que nos porá a frente de qualquer outro hospital a nível de cirurgias cardiovasculares. O que nos leva, claro, ao homem que vos guiará dentro de instantes e a quem devemos os esforços na pesquisa e implantação de tal tecnologia...
_ Doutor Christian Schneider? – os olhos da garota ruiva brilharam.
_ Exatamente, senhorita Hampstead! – confirmou o chefe – E embora ele não esteja trabalhando neste momento, concordou em guiá-los até a área de pesquisas cardiovasculares... Queiram me seguir, por favor.
Dizendo isso, o chefe conduziu seu rebanho de calouros pelas escadas lilases até o térreo onde acontecia o baile comemorativo. Pediu a todos que aguardassem ao pé da escada e despediu-se, dizendo que dali em diante estaria ocupado demais com champagne e música erudita, mas que o procurassem caso acontecesse qualquer coisa.

O Doutor Christian agarrou o braço da esposa com força demasiada. Ela estava de costas para ele e não o viu se aproximar. Servia ponche quando foi intercalada. Olharam-se nos olhos.
_ O que é? – ela soara dura.
_ Preciso mesmo dizer?
_ Você me machuca assim...
Ele soltou o braço dela. Olhou para os lados um pouco desnorteado.
_ E você acha que você não me machuca fazendo isso? – ele perguntou.
Elizabete alisou o próprio vestido de seda rosada, mas não respondeu. Desviou o olhar, salva pela súbita presença do chefe.
_ Com licença... – o chefe interpôs-se entre eles – Boa noite, Elizabete... Dr. Schneider, os calouros o aguardam. Sei que hoje você está de folga, mas preciso que mostre os alojamentos e fale um pouco sobre a tecnologia que trouxe para nós.
_ Ficarei lisonjeado. – Christian acenou com a cabeça para o chefe e lançou um último olhar para a esposa – Retorno em meia hora, Elizabete.
_ Estarei no carro. – ela respondeu ainda sem dirigir-lhe o olhar.
O chefe avaliou a maneira como Christian deixara a esposa com um certo ar de dúvida. Mas, como ela estava ligeiramente alcoolizada, decidiu atender o chamado de um grupo de doutores ali perto e pediu licença para ela.
Elizabete, por sua vez, percebeu dois olhos verdes e cerrados a examiná-la. O Doutor Jake também estava de smoking, mas vestia um jaleco branco. Ergueu um dedo para que ela o seguisse e subiu dois lances de escadas.
Por momentos Elizabete pensou que havia perdido o médico na perseguição nos corredores do segundo andar. Foi quando foi puxada para o interior de uma sala mesmo ao seu lado direito. As mãos de dedos alongados pressionaram as costas dela e eles se beijaram, batendo a porta atrás de si.
_ Não devíamos... – Elizabete interrompeu o beijo, afastando ligeiramente o rosto.
_ Por que não?
A pergunta do Doutor Jake fora feita com os lábios encostados no canto da boca dela, de modo que a voz saía um tanto quanto esquisita. Os compassos da respiração dele acalmaram Elizabete, deixando-a entregue ao prazer.
_ Estamos numa sala de esperas... – ela comentou num murmúrio.
_ Sim... – o médico empurrou-a delicadamente até um dos sofás de cor fluorescente e continuaram o beijo interrompido.
Jake gostava da maneira sincera com que ela se entregava. Gostava ainda mais da contradição que ela sempre parecia exalar. Primeiro ela resistia fielmente. E depois estava ali com ele, completamente entregue às suas mãos esfomeadas.
Elizabete procurou os botões da camisa do doutor e arrancou-lhe de uma vez tanto a camisa como o paletó e o jaleco. Sentiu que o médico tirava-lhe a calcinha por baixo do vestido e gemeu prontamente satisfeita. Começou a abrir o fecho da calça dele e imediatamente sentiu a virilidade.
_ Desejo-a desde sempre... – ele dizia – Seja minha pra sempre...
Então a porta se abriu. A penumbra em que estavam antes foi invadida pela forte luz do corredor. Uma médica de cabelos loiros e ondulados abriu bem os olhos, confusa tanto quanto o casal pego no flagra.
_ Doutor Jake... – ela disse sem repreendê-lo.
_ Doutora Jéssica... – ele pareceu envergonhado, fechou o fecho da calça e procurou a camisa.
_ Preciso do seu auxílio... – ela disse olhando Elizabete nos olhos como se apenas naquele instante a tivesse reconhecido – Uma emergência na UTI.
Jake não se despediu de Elizabete, apenas lançou-lhe um olhar de cumplicidade e saiu correndo. A doutora Jéssica estendeu a mão para que Elizabete levantasse. Esta aceitou-a.
_ Você... – Elizabete não conseguiu articular o próprio pensamento; em parte pela bebida e outra pelo medo.
_ Não vou contar nada a ninguém. – a doutora Jéssica ajudou-a a correr o fecho nas costas do vestido – Preciso ir. Há um banheiro no final deste corredor. Acredito que o Doutor Christian já vá a sua procura.
E deixou-a tomada pela vergonha.

Não disseram palavra no carro.
E, no entanto, era como se o silêncio nada mais fosse do que uma tagarelice sem fundamento de todos os problemas pelos quais o casal passava. A música instrumental moderna servia de sonoplastia para aquela cena, enquanto os arranha-céus da metrópole davam lugar aos prédios menos altos de moradia. Uns clássicos, outros modernos, uns luxuosos, outros a esconder passados longínquos... Elizabete gostava de observar os prédios a passarem rápido quando o carro estava em movimento. Em circunstâncias normais, ela teria observado cada detalhe arquitetônico e cada janela com a luz acesa. Em circunstâncias normais teria tentado imaginar que tipo de pessoa estava acordada àquela hora e o que fazia... Mas, aquela não era uma circunstância normal e ela só tinha olhos para o marido.
Christian, por sua vez, parecia concentrado no trânsito escasso àquela altura da noite, depositando concentração demais naquela atividade. Elizabete quebrou o silêncio com essa afirmação.
_ Eu estou bêbado. – ele respondeu secamente – Toda a prudência é pouca. Aliás, devíamos ter apanhado um táxi.
_ Devíamos... Devíamos...
Elizabete concordou, embalada por um sono repentino. Não teve tempo de adormecer e já estavam descendo a rampa do estacionamento subterrâneo do prédio em que viviam.
O casal ficou parado por uns segundos dentro do carro recém estacionado. O silêncio pesado entre os dois persistiu por durante todas as outras quatro músicas restantes do CD.
Elizabete foi a primeira a sair, exausta daquela situação fatigante. Andou em direção ao elevador, segurando os sapatos de salto agulha numa das mãos. Christian veio logo atrás, batendo a porta do carro com força e acionando o alarme com um bip.
Entraram no elevador sem lançar um olhar sequer. Elizabete pôde ver pelo espelho atrás deles que o marido estava realmente irritado, a coloração da pele meio avermelhada de raiva. Ele suspirou ao perceber ser observado e virou o rosto. Foi quando o elevador atingiu o oitavo andar que Elizabete ousou dizer o que pensava daquela situação.
_ Não sei porquê diabos me levou a esse baile do hospital! Se soubesse que ia criar esse caso todo por causa de uma dança!
_ Uma dança? – Christian riu alto, sentindo tontura por causa dos drinques da noite – Um tango com o meu ex melhor amigo e... – tentou lembrar-se do sucedido – Aquelas insinuações de ambas as partes! Quando eu fui convidá-la para dançar comigo você estava bêbada demais para acertar os passos.
Os dois saíram do elevador e andaram pelo pequeno corredor até a porta de acesso à sala do próprio apartamento. Christian demorou um pouco para acertar a chave na fechadura. Mas, ao entrarem de fato no seu refúgio é que se sentiram à vontade para gritar.
_ Eu não entendo porque diabos me levou a este baile!
_ Você acabou de dizer isso, Elizabete!
_ Pois eu não recebi uma resposta, doutor Christian!
_ Porque você é minha esposa, oras! Queria que eu levasse quem?
Elizabete sorriu em escarninho.
_ Vamos, diga o que se passa nessa sua cabeça ruiva diabólica! – berrou o médico.
_ “Cabeça ruiva diabólica?” – repetiu a esposa – Pois essa cabeça ruiva e diabólica se cansou do fato de ser ignorada pelo médico famoso. Quando um homem interessante me convidou para dançar e disse que sentia atração por mim, eu aceitei! Essa cabeça ruiva diabólica também gosta de se sentir desejada! Não apenas quando o médico famoso deseja mostrar a todas aquelas residentes bonitas que tem uma esposa tão bonita quanto!
Christian não pode evitar um tapa no rosto de Elizabete. Esta levou uma das mãos no local atingido como numa atitude reflexa. Com raiva, gritou e massacrou-o com tapas e arranhões.
_ Você não tinha o direito de me bater!
_ E você não tinha o direito de me fazer imagem de traído com o meu inimigo número um por minha própria esposa! – gritou Christian a segurar as mãos da esposa. – Sua desgraçada!
Ele a largou e foi se equilibrar numa das poltronas da sala onde estavam. Por momentos deixou de ver o rosto manchado de lágrimas de Elizabete por causa da escuridão.
_ Você tem todo o direito de ter casado comigo sem gostar de mim, mas devia fingir!
_ Evan vai escutar isso.
Os dois se calaram. Ouviram o barulho de descarga vindo da direção dos quartos do apartamento.
_ O que você quer de mim? – Christian perguntou num tom mais baixo – Quer a minha ruína? Pois é o que terá com essa atitude. Desde que nos casamos ficou muito claro pra mim que eu te amo e você não me ama mais do que aos seus sapatos! – ele ofegou. - Podia me trair com qualquer um, menos com o doutor Jake.
_ Eu não traí você.
_ Pare de mentir! – ele gritou correndo na direção dela e agarrando-a pelos braços, fez com que o corpo magro dela sacudisse agressivamente – Eu sei!
_ Quem contou?
_ Não importa. – ele a soltou novamente – O que importa é que agora eu sei.
Christian procurou algo no bolso do paletó e retirou a calcinha que Elizabete usara naquela noite. Atirou-a contra a esposa numa atitude enojada. Elizabete apanhou a calcinha e ficou a fitar aquelas rendas carmim.
_ Deveriam tomar mais cuidado. - recriminou-a o médico - Nem ao menos se preocupam em eliminar as provas dessa canalhice!
_ Como você encontrou isso? - perguntou Elizabete.
_ A Dra. Jéssica não ia dizer nada. - ele explicou friamente - Mas eu reconheci a calcinha na mão dela... Acho que ela ia jogar fora, mas não teve tempo.
_ E o que vai fazer a esse respeito? – Elizabete parecia assustada.
_ Nada. – ele respondeu – A minha vingança é essa. Você é minha, Elizabete. Nunca será inteiramente de Jake. A não ser que queira ser afastada do Evan.
Christian disse isso com tanta frieza que fez arrepiar a coluna de Elizabete. Ele saiu da sala meio a cambalear, quase derrubando um pedestal com um torso em mármore na passagem para o corredor dos quartos. Desapareceu de vista batendo a porta da suíte atrás de si.
Elizabete olhou para o lustre com florais modernos pendendo sob sua cabeça com uma pontada de remorso. Mas sorriu. Ao menos agora ele sabia. Levou um susto com o rosto pálido do filho a observá-la ao lado do pedestal.
_ Evan... – ela disse, meio receosa da reação dele.
O garoto de nome Evan não respondeu, apenas virou as costas nuas e voltou para o quarto. Havia que dormir bastante no curto período de horas que ainda tinha antes de acordar. No entanto, não conseguiu dormir. Preferiu ficar deitado na cama, com o braço embaixo da própria nuca, a olhar para o teto. Ouvira com clareza que sua mãe traíra seu pai com o admirável doutor Jake. Mas não entendia o motivo. Se seus pais não se amavam para que estavam juntos?
Assim que Evan fechou os olhos cinzentos azulados teve de abri-los. O barulho do despertador ecoou no quarto adormecido. Lá fora o dia não tinha clareado ainda, fazendo com que Evan permanecesse deitado por mais uns minutos até adquirir coragem para levantar.
Ali, deitado, imaginou a cara de Trinity Morgan quando ela descobrisse que ele estava engatando um relacionamento complicado com Lindsay. As duas eram da mesma equipe de líderes de torcida, mas se detestavam. Uma morena e a outra loira – dois opostos identicamente fúteis e consumistas.
Evan pisou no tapete colorido com os pés descalços. Vestia apenas uma cueca boxe as listras, mas não ligava muito para o frio, de tão acostumado com a água fria da piscina nos treinos de pólo aquático. Abriu a porta do guarda-roupa em que estava colado um folheto escrito “FAKE” e apanhou o uniforme da escola. Era um uniforme bonito de abrigo na cor verde-musgo com tiras douradas nas mangas. O brasão fora bordado com um grande “S” bem no peito a indicar que aquele era um solitário, ou seja, um aluno da Escola da Solidão.
Deixou o uniforme na cama e foi até o banheiro tomar uma ducha rápida. Voltou completamente seco com a toalha enrolada na cintura e escolheu outra das suas cuecas moderninhas. Arrumou-a diante do espelho, esticando os elásticos. Vestiu o uniforme rapidamente e depois o “allstar” vermelho e voltou para o espelho para pentear o cabelo loiro com mechas mais claras. Arrumou a franja repicada por cima das sobrancelhas e sorriu com orgulho para si mesmo.
Saiu do quarto assim, completamente pronto, as cinco e meia da manhã. Cantarolou baixinho na tentativa de melhorar o humor, pensando nas possibilidades de um ótimo café da manhã. Foi quando teve de parar na sala de estar por causa do que viu.
Elizabete estava estirada no chão acarpetado da sala de mídia. A televisão ligada sem volume indicava que ela adormecera durante a madrugada. Evan se aproximou e viu que a mãe segurava uma garrafa de vinho vazia e que o líquido havia escorrido pelo seu vestido belíssimo de seda e que manchara também o carpete rosado. O vestido estava erguido demais e uma perna estava completamente à mostra.
Evan arrumou o vestido, puxando-o para cobrir a perna e percebeu que o rosto dela estava completamente manchado de maquiagem. Subitamente ela abriu os olhos verdes, um tanto quanto assustada.
_ Meu menino... – ela sorriu para ele e voltou a fechar os olhos.
_ Mãe? – Evan pensou que estivesse acordada – Por que não foi dormir num dos quartos de hóspedes? Mãe?
Evan sabia que ela não ia responder e que tão pouco ligava para os quartos naquele momento. Desistiu imediatamente da idéia de tentar levá-la para uma cama e foi até a cozinha. Um embrulho no estômago fez com que perdesse a fome e odiou ter encontrado a mãe que tanto amava naquele estado. Forçou-se a comer uma maçã e ainda bebeu leite morno com canela, o que ele mais gostava.
Ao voltar para o quarto fez questão de não olhar para as salas. Sentou diante do computador ligado com a tela do documento de texto quase em branco.
Acordara tão cedo por causa daquela matéria para o jornal da escola que ele teimara em deixar para fazer no último momento. Pois bem, suspirou nervosamente, ali estava ele exatamente como a cinco dias atrás, sem nenhuma idéia de como prosseguir o texto. E, pois bem, o prazo de entrega das matérias se esgotava naquela manhã para que desse tempo de imprimir o jornal O Solitário Semanal.
É certo que a chefe de imprensa era sua melhor amiga, no entanto, mesmo Judy Foster havia que ser dura com ele. Era a função dela. Evan corou ao imaginar que o jornal pudesse ser publicado sem a sua coluna especial de crítica sociológica.
“Ser adolescente é...”
Evan havia escrito apenas aquilo e o cursor piscava como a indagar o significado de ser adolescente. Ele não sabia a resposta, pelo menos não naquele momento. Começou a entrar em pânico ao perceber que o relógio marcava seis horas da manhã. Foi então que o telefone soou:
_ Alô.
_ Evan! – a voz do outro lado da linha deu ânimo ao rapaz.
_ Não sabe como gosto de ouvir a tua voz agora! – exclamou o Evan subitamente desperto.
_ Sabia que você já estaria acordado... – disse a garota – Está escrevendo, não é?
_ Sim, mas e você? Você disse que não ia correr porque eu não ia... Por que está acordada tão cedo?
_ Acho que você vai querer vir correr comigo se eu te disser que encontrei um texto incrível que você me mandou por e-mail no ano passado.
_ É um texto bom? Sobre o que fala? – Evan criou novo ânimo.
_ Popularidade no colegial! – Lana estava exultante – Você nem devia se lembrar, mas é um texto realmente bom. Já gravei no pendrive.
Evan deu um grito de alegria. Aquilo significava que ele não precisaria terminar aquele texto naquele exato momento.
_ Hey, calma! – pediu a Lana a rir-se – Vai acordar os seus pais...
_ Nem me fale... – Evan voltou a lembrar da briga deles – Mas, nada estraga meu humor. Você salvou meu dia!
_ Como assim “salvei o seu dia”? Que eu saiba o texto ainda está comigo e se eu não entregá-lo a você, estará encrencado! – ela pareceu brincalhona – Você tem que vir pegar o pendrive! Estou na esquina te esperando...
_ Corrida matinal! – exclamou o garoto – Já apareço na esquina.
Ambos desligaram os telefones. Evan trocou de roupa rapidamente e correu para a esquina, onde sempre se encontrava com a melhor amiga. As pessoas costumavam chamá-los de loucos por correrem àquela hora da manhã. Mas, eles gostavam. Era o momento do dia em que mais tinham energia. E foi naquele momento do dia em que se conheceram também. Um pouco antes de começar o ano letivo e bem no dia em que Lana se mudou para Pico. Evan lembrava bem daquela manhã: desde a esquina até o parque os dois caminharam lado a lado sem dizer palavra. Foi então que chegaram ao parque e começaram os alongamentos. Subitamente ambos começaram a rir e enfim se apresentaram. Foi então que Evan ficou a descobrir muita coisa sobre a garota recém chegada do Sul.
E ali, na manhã em que o Evan havia que entregar uma matéria que nem sequer se lembrava da existência, Lana estava tão bonita quanto no primeiro dia em que se viram. Morena de cabelos cor de mel, com um corpo de bailarina – muito evoluído para a sua idade – e com os olhos mais esverdeados que se imaginar pode. A madrasta dela, Helena Johnson, costumava dizer que Lana parecia uma havaiana que nascera num local errado e esta seja talvez a melhor descrição que temos para nossa garotinha. Ela tinha olhos puxados ! A beleza dela irradiava alegria em todos à volta e Evan não conhecia uma pessoa sequer que não se sentisse à vontade com sua companhia.
_ Bom dia, Evan. – o sorriso com dentes perfeitos a três centímetros do rosto de Evan – Como foi o seu sono?
Ela costumava fazer a mesma pergunta todas as manhãs, mas isso não aborrecia o Evan.
_ Bom dia... – ele sorriu a espiar para as mãos da garota.
Esta aproveitou a deixa para erguer um pendrive diante dos olhos dele. Evan apanhou o objeto desejado e beijou a face da garota. Começaram a andar.
_ Então, você vai a festa do Louis? – quis saber a Lana.
_ Louis me convidou semana passada, mas não comprei presente algum. – ele retrucou parando no sinal verde, para os carros passarem – Mas já sei o que eu compro para ele...
_ Comprei uma bola de basquete. – disse Lana pensativa – Ele reclamou que a dele estava furada.
_ Torçamos para que os pais dele não dêem uma bola também.
_ A mãe dele, você quer dizer. O pai não dá atenção ao filho. – retrucou Lana, e completou – Uma relação bem incomum. – pareceu refletir – Mas, presentes acho que o pai dá. Você disse que já sabe o que comprar?
_ Chocolates. – Evan deu de ombros – As trufas de caipirinha são as preferidas dele.
_ Não sabia que eram tão amigos. – Lana pareceu indiferente – Eu não sei qual é o seu sabor de trufa favorito.
Os dois amigos pararam em frente ao parque e fitaram o enorme edifício branco como a neve que ficava do outro lado da rua: o edifício com colunas jônicas no pórtico de entrada e uma lanterna de jardim de um metro por um com quatro correntes de metal a segurá-la . Lá em cima, os leões de bronze lembravam a população que ali viviam diplomatas e homens da lei.
_ Conversamos um bocado de tudo. – explicou Evan – Louis é tímido, você sabe... E tem uma natureza bastante melancólica.
_ Capito! – Lana interrompeu-o, alegre – Percebeu em você um ótimo ouvinte! Você é maravilhoso, Evan...
_ Talvez. – Evan entregou à amiga uma satisfação escondida.
_ Vamos começar? – perguntou Lana correndo até a pista de Cooper e pisoteando o gramado molhado.
Evan respirou fundo e acompanhou a amiga nos alongamentos.

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